24/09/2020
Em entrevista, Luís Gonzaga Trabasso, vice-presidente da ABII, fala sobre sua trajetória profissional, aprendizados, e os desafios da indústria, que se transforma cada vez mais rápido.
Luís Gonzaga Trabasso é pesquisador chefe do Instituto Senai de Inovação em Sistemas de Manufatura e Processamento a Laser de Joinville e professor da divisão de engenharia mecânica do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), onde é um dos fundadores do Centro de Competência em Manufatura (CCM), um centro de pesquisa que executa projetos estratégicos de PD&I com parceiros industriais de diversos setores. Suas áreas de pesquisa são desenvolvimento integrado de produtos e mecatrônica, com ênfase em automação industrial e robótica.
Na Associação Brasileira de Internet Industrial (ABII), Gonzaga atua como vice-presidente e padrinho do Grupo de Trabalho (GT) de Pessoas. Em seu currículo estão a graduação em engenharia mecânica pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), mestrado em engenharia e tecnologia espaciais pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), doutorado em Mechanical Engineering – Loughborough University, England e pós-doutorado em Human Centered Systems – Linköping University, Sweden.
Nesta série de entrevistas, você vai conhecer melhor com os integrantes da diretoria, que permanece à frente da ABII até abril de 2022. É uma forma de comemorar, inspirar e aproximar você da nossa entidade, que completou quatro anos de fundação no dia 10 de agosto. A ABII atua com o objetivo de promover o crescimento e o fortalecimento da indústria 4.0 e da IIoT (Industrial Internet of Things) no Brasil. Boa leitura!
Me conta um pouco sobre sua trajetória profissional e como ela te trouxe até aqui:
Gonzaga – Minha carreira profissional sempre foi pautada pela carreira acadêmica, de pesquisa. Ingressei como docente no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) em 1984 e estava fazendo mestrado no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Lembrando de todos os meus entregáveis de mestrado, doutorado e pós-doc, eles estavam sempre vinculados a uma entrega física, associada a necessidades da indústria. No INPE, por exemplo, estava começando o programa de satélites, então eu fiz uma proposta de projeto de uma unidade de medida inercial acelerométrica; no doutorado era quando a palavra mecatrônica estava incipiente e a gente fez uma célula robótica mecatrônica; e no pós-doc foi um laboratório de fatores humanos em aeronáutica, que também era uma demanda da indústria. E neste tempo no ITA eu também atuei na fundação do Centro de Competências em Manufatura (CCM) que estava pautado por pesquisa aplicada relacionada a indústria (é um centro de pesquisa que executa projetos estratégicos de PD&I com parceiros industriais de diversos setores).
Hoje, o CCM é um braço do Fraunhofer, da Alemanha, que tem esta pegada. Quando eu me aposentei do ITA em 2018 vim para o Instituto Senai de Inovação em Sistemas de Manufatura e Processamento a Laser, aqui em Joinville, que tem como foco a pesquisa aplicada. Foi uma continuidade de tudo o que eu vinha fazendo. E nesta trajetória eu vivi a transformação digital total em um tempo relativamente curto, que a indústria se transformou muito. Eu comprei uma das primeiras impressoras 3D no ITA que era gigantesca e hoje você consegue ter uma impressora 3D em casa, pequena e acessível. Eu passei por inúmeras fases, inclusive vendo a indústria 3.0 se consolidar e ter toda a notoriedade que hoje há com os conceitos de indústria 4.0.
Qual foi o momento de maior aprendizado profissional que você teve?
Gonzaga – Sem dúvida o meu doutorado na Inglaterra (entre 1987 e 1991). Meu orientador tinha recém-chegado no Japão e tinha todos aqueles conceitos novos de integração entre áreas (mecânica, eletrônica, computação) que hoje nem se questiona mais, mas naquela época a gente se perguntava “como vamos fazer isso?”. E outra coisa é que naquele momento tudo isso reforçou a minha visão de importância da pesquisa aplicada, que casava com o meu perfil. Eu preciso sempre ver uma entrega, tangível, palpável para que faça sentido o que eu estou pesquisando. Isso remete também a minha infância. Meu avô tinha um ferro velho em Descalvado (SP) e eu ficava com ele quando tinha folga na escola. E aí eu ficava inventando coisas com as formas e peças encontradas no ferro velho, sempre com a mão na massa. Isso com certeza teve uma influência na minha vida.
Você continua estudando? Como o estudo se encaixa na sua rotina atual?
Gonzaga – É uma rotina totalmente não-linear. Antes eu tinha um programa para cumprir (mestrado, doutorado). Hoje, em função de cada projeto a gente faz um estudo orientativo para detalhar ao máximo os conhecimentos para a equipe. Um exemplo atual é que eu nunca tinha mexido com ventiladores pulmonares e passamos a rodar vários projetos no Senai para ajudar empresas a escalar produção por causa da pandemia. Aí você precisa estudar e entender aquilo. Então meus estudos hoje tem um direcionamento em função do projeto que eu estou trabalhando. Eu ainda dou aula em um mestrado profissional em engenharia aeronáutica no ITA. E aí eu preciso me preparar também. E isso é muito bom!
Teve alguma oportunidade que você deixou passar e se arrepende? Ou ao contrário, teve uma oportunidade que você abraçou e só depois percebeu o quanto ela mudou o roteiro da sua vida?
Gonzaga – Quando eu estava começando o mestrado do INPE em 1983 eu achava que meu lugar era seguir carreira ali. Era ali que eu também tinha um professor que era uma espécie de “pai acadêmico” e que eu continuo trocando mensagens até hoje. Aí surgiu uma vaga de docente no ITA, eu me candidatei, fiz prova e passei. E assim começou minha carreira no ITA, de uma forma até inesperada, mas que deu muito certo. O ITA naquela época tinha pouca tradição de pesquisa aplicada na engenharia, então eu e outros professores levamos isso à frente, porque a gente entendia que era importante. Nos aventuramos nesta área. Foi uma oportunidade que surgiu e uma escolha muito feliz minha. Eu comecei como professor auxiliar (cargo que hoje nem se contrata mais), porque ainda estava fazendo o mestrado. Fui até professor titular. Isso, ao longo de 25 anos. Quando eu saí de lá, aposentado já, vejo o legado que deixei. Em especial, a criação do CCM, que é uma referência.
Uma dica para um jovem que está iniciando sua jornada profissional:
Gonzaga – É importante que goste do que faça, independentemente do que faça. Não vou dizer que todos os dias você acorde de manhã e saia tamborilando feliz de casa para o trabalho, mas se você está num lugar em que conta os minutos para acabar o expediente, é hora de sair. É preciso viver o trabalho com brilho nos olhos, com encantamento, senão, qualquer coisinha é empecilho e você vê como uma montanha gigantesca que impede seu trabalho. Aí nada vai dar certo mesmo. Eu preciso me policiar um pouco porque exagero no tempo dedicado ao trabalho. Mas sou feliz e tenho prazer com o que faço.
Você se considera um empreendedor? O que é empreender para você?
Gonzaga – Quando eu estava para me aposentar pensei na possibilidade de montar uma empresa de consultoria. Mas eu não conseguia me ver neste tipo de empreendedorismo. Acho que é uma questão de perfil. Mas o espírito empreendedor, quando você tem um problema posto por uma empresa e aí eu viabilizo a entrega, indo atrás de recursos, montando equipe, trazendo equipamentos e sistemas que permitem fazer a transformação da necessidade em produto ou processo, é uma atividade de empreendedorismo.
Liderança e inovação são fundamentais?
Gonzaga – A liderança é fundamental. Eu aprendi liderança. Havia uma vontade em mim de sempre participar e talvez por isso todas as posições que eu acabei ocupando tiveram relação com liderança. Os projetos não iriam para frente se não tivesse alguém fazendo o processo andar, delegando funções e atribuições. E eu tive muito este papel. Em muitas empresas a liderança é forjada. A pessoa escolhe aquela carreira. Se você me perguntar sobre os atributos que um líder deve ter acredito que o primeiro é competência e o segundo é saber conversar com as pessoas. Eu sou bem crítico da questão da inovação espontânea. Acho que ela acontece só em casos raríssimos. Eu acredito na inovação processual. Existe um problema, para entender esse problema é necessário se debruçar e estudar, e neste aprofundamento você vê que não existe nenhuma pesquisa que resolva aquele problema. Então, quando você encontra uma solução, ela acaba sendo inovadora. Tem acontecido assim e acho que entender este processo é muito importante. Mas o combustível da inovação, sem dúvida é a necessidade. Por outro lado quando você tem todo um ecossistema, ele facilita a inovação e a inserção da pessoas. E se você investe no ecossistema, aumenta a chance de inovação. Só não podemos confundir criatividade com inovação!
Como você chegou a ABII e se tornou um dos diretores? E qual a importância da ABII no atual contexto do país?
Gonzaga – A ABII nasceu com a Pollux, Fiesc e Embraco (hoje Nidec). E chegou a ter como sede o Instituto Senai de Inovação. Na época, o diretor do Instituto, o Zanatta (André Marcon Zanatta), era representante na ABII. E aí em 2018 ele saiu de Joinville e eu vim e assumi também a vaga na associação. No Brasil, a ABII é fundamental e tem um papel pioneiro de promover o avanço do setor industrial. Sem entidades como a ABII você não dissemina a importância da internet industrial, não rompe barreiras, não se derruba paradigmas. Isso acaba ampliando também as políticas públicas para aumentar a competitividade da indústria nacional.
Você acredita que vamos para um outro patamar de utilização das tecnologia após a pandemia?
Gonzaga – Eu tento sempre fazer um exercício pensando na exclusão de tecnologias que temos hoje. Vamos pensar na internet. Imagine nós vivendo uma pandemia como esta, nos tempos da internet discada. A gente não consegue imaginar, porque tudo o que estamos desenvolvendo em termos de tecnologias para combater a pandemia tem o uso da internet. Você sabe que algo é uma revolução quando não podemos viver sem. E a internet é exatamente isso, uma revolução. O novo normal vai consumir e exigir cada vez mais as plataformas digitais, então obrigatoriamente nós vamos para um outro patamar. Este momento mostrou o quanto as empresas precisam investir na transformação digital ou então vão ficar para trás.
Qual a importância das pessoas na transformação digital?
Gonzaga – As pessoas são fundamentais para levar todo este sistema, esta infraestrutura para frente. A pessoa faz a infraestrutura e depois a usa. Hoje, precisamos ter pessoas mais capacitadas, exatamente por causa da internet. E normalmente, quando se tem mudanças, surgem resistências das pessoas, então também é necessário um trabalho, um olhar neste sentido.
Quem é sua grande inspiração na vida? O que aprendeu?
Gonzaga – Tenho duas inspirações: uma é meu avô, com quem aprendi noções de trabalho, honestidade, sem contar os aprendizados de como você podia transformar as coisas no ferro velho dele. E outra inspiração é meu “pai acadêmico”, Atair Rios Neto, que me introduziu na área de pesquisa.
Indique um livro (ou um filme, ou uma série, ou um site, ou um canal) que seja inspirador para este momento de quarentena.
Gonzaga – Tem um livro que eu li e me marcou até hoje, chama-se “Em Busca de Sentido – Um psicólogo no campo de concentração”. O autor é um neuropsiquiatra que sobreviveu aos campos de concentração nazistas, Viktor Frankl, e deu origem ao estudo da logoterapia e análise existencial, uma abordagem psicoterapêutica que se fundamenta no sentido da vida. É um livro que me marcou muito! Me mostrou a necessidade de ter outro olhar.
Fonte: Ind 4.0
Deixe um Comentário