16/07/2021
Palestrante e especialista em inovação e tendências afirma que, nos negócios, pandemia funcionou como consultoria forçada em transformação digital
A grande lição da pandemia para empreendedores é que a atualização às tendências é mais determinante para a sobrevivência de uma empresa do que ter uma grande ideia disruptiva. A opinião é de Arthur Igreja, palestrante e especialista em tecnologia, inovação e tendências. Para os que não estavam preparados e conseguiram manter o CNPJ desde o surgimento da covid-19, ele diz que a crise sanitária funcionou como uma consultoria forçada em transformação digital.
Autor do livro “Conveniência é o nome do Negócio” (editora Planeta Estratégia), Igreja considera que o empreendedor não deve se preocupar em criar uma tecnologia disruptiva ou em ter a próxima startup unicórnio do Brasil para ser bem sucedido. Basta se atentar para simplificar a vida do consumidor brasileiro, que considera um dos mais ávidos por novidades no mundo.
A pandemia forçosamente jogou as empresas na onda da transformação digital, sem que muitas tivessem se preparado para isso. Como gerir e tirar proveito dessas mudanças bruscas que as empresas tiveram que promover nos seus negócios?
Falamos muito sobre as empresas que cresceram muito do e-commerce, como Magalu e Mercado Livre. O que ficou de lição é que eles se beneficiaram de um dever de casa que já vinham fazendo. Nas médias e pequenas empresas, acontece a mesma coisa. A diferença é entre as empresas que acreditam nas tendências e aquelas que esperam as tendências acontecerem e ficam expostas. Não tinham omnichannel, não tinham canais digitais e não estavam preparadas para ter processos internos digitais. Vi empresa em que o setor comercial parou porque tinha assinatura presencial de contrato. A pandemia acabou sendo uma consultoria para as empresas que não estavam preparadas, porque deixou explícito de que forma não estavam atendendo o cliente, quais eram os pontos que travavam o negócio. Muita gente inovou para sobreviver, o que talvez seja a pior das formas, mas ao menos viu que é possível inovar. Foi um aprendizado.
A transformação digital também traz a dificuldade de que, se há acesso a mais clientes nos meios virtuais, é mais difícil ter acesso a esse cliente. Como deve ser a estratégia de comunicação?
Isso é essencial porque esses ambientes estão mais povoados, disputados e as ferramentas são basicamente as mesmas para todos. No passado, uma empresa de determinado porte podia anunciar em TV, o que é um fator de diferenciação enorme. A disputa foi para as redes sociais e todo mundo tem as minhas ferramentas, então nivelou. O que fica claro é que essa publicidade de fundo de funil está perdendo efeito, porque todo mundo está gritando na internet, com o consumidor anestesiado por ser bombardeado por propagandas, e temos um consumidor absolutamente informado. Costumo brincar que ninguém vende mais nada, são as pessoas que compram. Porque compram depois de ver toneladas de tutoriais no Youtube, de ver comparativo de produto, de escutar como foi a experiência de quem já comprou. No meio disso tudo, a única única coisa sustentável é o conteúdo. Vimos um crescimento na pandemia de 65% de consumo de tutoriais, vimos a Magalu comprando o Jovem Nerd, vimos financeiras comprando incontáveis portais de conteúdo. Porque se eu entrego o que o cliente procura em conteúdo, isso aumenta drasticamente as chances de o cliente querer me escutar, porque eu ajudei. Existe um senso informativo e de reciprocidade, então vemos uma queda abrupta dessa comunicação de fundo de funil.
O Brasil é o quinto país do mundo com mais startups unicórnio, em valor de mercado, mas tem apenas a 12ª economia e é 62º no ranking de inovação. O que faz o país ter uma posição de destaque em um ranking e desempenho ruim em outros?
Um dos fatores é que, para criar uma startup ou uma empresa como uma unicórnio, os recursos se tornaram abundantes. Para você fazer uma empresa grande no passado, você tinha de ter milhares de colaboradores, servidores, tinha de ter milhões para ter um escritório gigante, uma loja gigante. No mundo do software você não precisa disso, a empresa vai escalando em nuvem, contrata a pessoa para trabalhar em home office. Uma segunda coisa é que o Brasil sempre teve empreendedores absolutamente fora da curva em nível global, incríveis, e é isso que chama a atenção no ranking dos unicórnios. Ali estão os pontos fora da curva, o que não quer dizer que o ambiente de negócios seja bom. A média da inovação e os negócios não são inovadores no Brasil. É um cenário muito bom para poucos. Na outra ponta, temos burocracia e um empreendedor que ainda não é capacitado para buscar inovação. É isso que a pandemia mostrou. O empreendedor brasileiro ainda é conservador, investe pouco nesses temas, e mesmo com todas as pesquisas mostrando que o consumidor brasileiro é um dos mais ávidos por novidades e por adoção de tecnologias.
Quais as condições que favorecem o surgimento desses unicórnios?
Um time de empreendedores fora da curva, notadamente experientes, e isso não quer dizer idade. Existe aquela narrativa romântica de uma startup que começa na garagem, mas pegue um Nubank, Madeira Madeira, estamos falando de times monstruosos, que reportam a gestão de muitos milhões de dólares para fundos que estão no teu pescoço. Então é a capacidade de evoluir o time de gestão tão rapidamente quanto o negócio cresce. E conseguir contratar bem, porque as startups não são as melhores pagadoras enquanto estão crescendo, então precisam de um ambiente legal, onde se note o crescimento pessoal. E, claro, precisa identificar uma oportunidade, que não precisa ser inédita, e agir rapidamente.
Na nova economia, só há espaço para empresas disruptivas? Como as pequenas empresas podem participar?
Um exemplo enorme é a Madeira Madeira, que é uma Amazon de coisas para casa. O que é notadamente disruptivo? Nada. O Pipefy, o Alessio (Alionco, fundador e CEO) sempre fala que resolve gestão de processos, que é a coisa mais aborrecida que existe, tem zero disrupção no negócio. Esses casos chamam mais atenção pela magnitude. Mas as empresas disruptivas são as marcas arriscadas, as mais malucas. É como o Usain Bolt (recordista mundial nos 100 metros rasos), que tem 14 anos de preparação para correr nove segundos. Se ele tiver uma contusão na noite anterior, deu tudo errado. A parte que não gosto é quando só isso começou a ser rotulado como o caminho certo, e isso é o que funcionou para um conjunto que é incrivelmente pequeno de empresas. O que cabe às demais é entender que não tem certo ou errado, mas escolhas. Pode não ser tão escalável quanto o Nubank e não vai ser uma empresa de milhões, mas de milhares, que emprega um monte de gente, que te dá uma vida legal. E está tudo bem. Tente entender as lições que dá para extrair desses negócios. O que o Nubank fez foi ser mais simples, descomplicar, se comunicar bem com os jovens. E isso dá para aplicar em uma padaria, numa loja de tinta.
A regulamentação de marcos de inovação e startups no país pode impulsionar o setor ou ainda estamos muito aquém do necessário?
Tem avanços. Claro que, se conversar com empreendedores e investidores, eles sentem mais as dores, identificam o ideal e não estão 100% satisfeitos. Mas é inegável que pelo menos tem alguma boa vontade. Vejo o envolvimento cada vez maior dos investidores e das empresas em discussões regulatórias, o que não acontecia há alguns anos. Não é na velocidade que todos gostariam, porque falta também que nossos governantes e legisladores entendam mais de startups e empreendedorismo.
Fonte: Portal Futurista
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