06/12/22
É necessário garantir que organizações concorrentes participem dessas governanças com o espírito de construir parcerias, em vez de competir no mercado. Outro ponto importante é que as governanças necessitam de um volume considerável de horas de trabalho voluntário./ Foto: Startup Summit 2018 (Divulgação)
Por Marcus Rocha, Conselheiro e Especialista em Ecossistemas e Habitats de Inovação.
Escreve quinzenalmente sobre o tema no SC Inova.
Normalmente, quando se fala em Governança para ecossistemas de inovação é considerada a representação de organizações das diferentes “hélices” ou categorias, que são descritas em diferentes modelos teóricos e práticos. Inicialmente, eram considerados três tipos de atores – Empresas, Governo e Academia -, com a adesão em seguida de um quarto tipo – Organizações da Sociedade Civil. Assim, hoje o modelo da “quádrupla hélice” permanece como o mais utilizado.
Mais recentemente, outros modelos foram elaborados, alguns deles trocando o tipo de organização pela sua função na criação de um ambiente favorável ao desenvolvimento sistemático de empreendimentos inovadores. O melhor exemplo desse tipo de modelo talvez esteja representado no Guia de Implantação de Ecossistemas de Inovação de Santa Catarina, conforme a figura a seguir. Nesse modelo, a categorização dos atores é realizada conforme sua função no ecossistema: política (não necessariamente governamental); financeira (privada ou pública); cultura (não apenas educacional ou de ensino); capital humano (não necessariamente pelo ensino formal), e assim por diante.
Percebe-se que, mesmo com diferenças de abordagem, todos esses modelos possuem uma visão mais institucional, pois buscam a criação e o desenvolvimento de relações que estabeleçam as bases para facilitar o empreendedorismo inovador no território do ecossistema de uma forma geral. Se vê uma clara limitação nesses modelos, pois não levam em conta o contexto econômico local e não sugerem estruturas para articular e unir atores dos principais setores econômicos do território.
Ao visitar ecossistemas de inovação Brasil afora, percebe-se que a abordagem dos modelos tradicionais traz algumas dúvidas e inseguranças às lideranças, principalmente naqueles locais com maturidade em estágio inicial ou em estruturação. Como esses modelos são, de certa forma, intangíveis em termos de resultados práticos, nota-se frequentemente uma grande dificuldade de engajamento dos atores locais.
Como a finalidade dos ecossistemas deve ser o estímulo ao empreendedorismo inovador, é sempre importante relembrar como esse processo empreendedor acontece. É uma jornada com diferentes etapas, registradas em em diferentes livros, artigos, estudos de caso e metodologias.
Mesmo com variações, algumas pedras fundamentais sempre estão presentes, com destaque para:
- PROBLEMA: identificação de um problema, ou seja, algo que causa desconforto, prejuízo, ou perdas (tempo, recursos, etc.), e que não tenha solução adequada no momento, ou as soluções existentes sejam ruins ou excessivamente caras.
- VALIDAÇÃO DO PROBLEMA: pesquisa de campo para verificar se esse problema efetivamente existe e é relevante, sendo percebido por um volume significativo de pessoas ou organizações.
- DESENVOLVIMENTO DE SOLUÇÃO INOVADORA: Desenvolvimento de solução inovadora: criar uma solução que seja nova/inédita, ou significativamente melhor em relação ao que já existe. Recomenda-se que essa etapa seja cocriativa, com diferentes atores envolvidos, incluindo pessoas ou organizações que atualmente percebem o problema que foi validado.
- VALIDAÇÃO DA SOLUÇÃO INOVADORA: nova pesquisa de campo, para verificar se a solução desenvolvida é efetivamente inovadora e tem valor para as pessoas ou organizações que atualmente percebem o problema que foi validado.
- DESENVOLVIMENTO DA SOLUÇÃO INOVADORA: efetiva implantação da solução, normalmente realizada de forma incremental por meio de processos tais como o da “Startup Enxuta”, sugerido por Eric Ries.
Em um ecossistema de inovação bem-sucedido, esse processo de empreendedorismo inovador deve acontecer todos os dias, com grande volume. Ou seja, são várias as pessoas e organizações – públicas ou privadas – que estão criando soluções inovadoras para problemas relevantes e reais. Porém, nota-se que a estrutura de governança do ecossistema dos modelos que foram apresentados não parece ter uma relação direta para articular estratégias para o estímulo a esses processos de empreendedorismo. Isso cria uma lacuna significativa, com várias perguntas não respondidas para as lideranças locais que, naturalmente, ficam inseguras e com dificuldade de engajamento.
Muitas vezes, a resposta dada para ecossistemas que vivenciam essa situação é a criação de ambientes de inovação, que reúnem uma série de serviços que servem como facilitadores e fomentadores de empreendimentos inovadores. Realmente, a implantação de pré-incubadoras, incubadoras, aceleradoras, centros de inovação, ou parques tecnológicos, bem como a realização de eventos e capacitações para inovação, são ações fundamentais para estimular o empreendedorismo inovador no território e precisam ser desenvolvidas.
No entanto, não resolvem essa limitação da falta de conexão do modelo de governança focada nas “hélices” do ecossistema com a geração de estratégias aderentes às vocações econômicas locais que estimulem o desenvolvimento de negócios inovadores em quantidade e com qualidade.
Ao observar casos bem sucedidos de governanças de ecossistemas de inovação, nota-se que há uma mudança de foco que pode ser feita, trazendo resultados muito interessantes, mostrando que a resposta para os modelos genéricos pode estar mais próxima do que se imagina. Um bom exemplo está em Londrina, no Paraná, cidade que tem percebido um desenvolvimento econômico muito positivo, a partir do crescimento do seu ecossistema local de inovação.
Ao observar a estrutura de governança estabelecida em Londrina, nota-se claramente que o foco não está nas “hélices” institucionais dos modelos tradicionais, mas sim nos principais setores econômicos estabelecidos no território da cidade e que possuem potencial para acelerar o crescimento econômico e social da região no futuro.
Assim, em cada um dos setores estratégicos para a cidade foram reunidas lideranças de diferentes categorias – Empresas, Universidades, Centros de Pesquisa, Entidades, Prefeitura, etc. – todos interessados no desenvolvimento de empreendimentos inovadores. Destaque para as algumas das governanças setoriais de Londrina: Agro Valley (Agronegócio); APL TIC (Tecnologias da Informação e da Comunicação); Infoco (Comércio); Salus (Saúde) e iCon (Construção Civil).
Ao reunir os atores de todas “hélices” relacionados claramente com um setor econômico bem definido, e com o propósito de desenvolver empreendimentos inovadores, nota-se que os participantes das governanças passam a ter uma percepção mais clara de quais benefícios podem ser alcançados por meio do trabalho em conjunto. Com uma proposta de valor mais clara, o engajamento dos atores torna-se menos difícil.
Destaca-se que, mesmo assim, trata-se de um desafio relevante para todos os envolvidos. Inicialmente, é necessário garantir que organizações concorrentes participem dessas governanças com o espírito de construir parcerias, em vez de competir no mercado. Outro ponto importante é que as governanças necessitam de um volume considerável de horas de trabalho voluntário, tanto nos encontros quanto nas ações promovidas.
Aliás, um ponto chave do sucesso de governanças setoriais é a regularidade de encontros, para planejar, executar e avaliar ações práticas realizadas em prol da inovação do setor econômico escolhido. Esses encontros devem ser preferencialmente semanais, com pautas objetivas e presença constante de todos os membros.
Esse ritmo constante e regular é fundamental para o sucesso das governanças setoriais, o que também traz como resultado positivo um aumento da maturidade de todas as organizações envolvidas nos conhecimentos, nas práticas e na cultura de inovação aberta, que passam a considerar e executar estratégias cada vez mais bem-sucedidas de desenvolvimento de inovações, aumentando sua vantagem competitiva.
Nota-se que, novamente, a especialização setorial relacionada a ecossistemas ou a ambientes de inovação aparece como destaque de boa prática. De Barcelona até Londrina, são vistos diferentes exemplos de sucesso de ecossistemas que adotaram essa abordagem tanto na governança quanto no desenvolvimento de centros de inovação, além de serviços de apoio a empreendimentos inovadores.
Portanto, recomenda-se que os ecossistemas locais de inovação priorizem a implantação de governanças setoriais, que inclusive podem receber diferentes nomenclaturas: cluster de inovação; governança setorial de inovação; núcleo setorial de inovação; arranjo promotor de inovação; entre outros.
Nos ecossistemas que já possuem uma governança geral, muitas vezes até formalizada em um Conselho Municipal de Inovação ou organismo equivalente, esta pode ser uma forma de garantir capilaridade e agilizar as ações em prol do desenvolvimento local.
E, para aqueles ecossistemas que ainda estão se estruturando, as governanças setoriais podem ser uma forma segura de acelerar a implantação de projetos estruturantes e de garantir uma conexão mais rápida entre as lideranças locais.
Fonte: SC INOVA
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