18/09/2020
Anunciado ainda em 2018 para estabelecer prioridades e interesses relacionados ao futuro da indústria brasileira, o projeto Estratégia Nacional para a Indústria (ENI) 4.0 ganhou fôlego. Recém iniciado, o grupo de trabalho será coordenado a partir de agora pelo professor titular do Departamento de Automação e Sistemas do Centro Tecnológico (CTC) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Ricardo Rabelo, selecionado por edital. A meta geral é criar um plano-base que alimente políticas públicas para o setor nos próximos 10 anos.
As discussões tomam velocidade em momento crucial. Pesquisa de 2018 da Confederação Nacional da Indústria (CNI) revelou que a grande maioria do corpo industrial brasileiro ainda está em fase inicial de integração a tecnologias digitais, embora o vínculo com o contexto da manufatura avançada esteja cada vez mais estreito e tenha se mostrado imprescindível para elevar o país a um patamar mais elevado de desenvolvimento e de competitividade.
O levantamento mostra que, entre 2016 e 2018, aumentou de 63% para 73% o universo de grandes empresas nacionais que já utilizam ao menos uma técnica de ponta em processos voltados para aumentar a eficiência da dinâmica produtiva e de gestão e respaldar novos modelos de negócio. Por outro lado, dados de 2016, também da CNI, indicam que 57% de empresas menores ainda desconheciam, à época, as tecnologias da Indústria 4.0.
Por isso, o grupo de trabalho coordenado por Rabelo assume papel fundamental no desenvolvimento complexo da indústria no Brasil. Segundo o docente, ainda que já existam importantes iniciativas para aumentar a adoção dos conceitos de Indústria 4.0 no Brasil, estas não estão devidamente conectadas. A proposta do novo modelo passa por superar singularidades e definir uma estratégia de âmbito nacional que estabeleça uma visão de presente-futuro do país, alinhada ao pensamento dos setores público e privado em relação ao tema.
“O que existe é uma série de iniciativas geradas por diferentes entidades representativas e em documentos de governo que foram idealizadas de forma mais direcionada a certos setores, mas não completamente integrada a uma visão ampla de Estado. A elaboração [do documento] irá possibilitar ao governo e aos agentes privados atuarem com maior clareza na formulação de ações mais concretas para o desenvolvimento da indústria nacional, diminuindo sobreposições e desperdício de recursos e maximizando o seu impacto na sociedade”, explica o professor, selecionado entre mais de 50 candidatos para assumir os trabalhos.
Iniciativa concentrada na pasta de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, hoje ligada ao Ministério da Economia (ME), no Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) e com apoio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), a ENI 4.0 começou a ser discutida em 2018. Mas só agora, pressionada pela urgência das transformações, é que saiu efetivamente do papel.
“O país não pode mais esperar para dar um grande salto de competitividade. Existem inúmeros mapeamentos e excelentes diagnósticos gerados por várias instituições, e é mais do que chegado o momento de fazer isso tudo convergir para efetivamente se criar uma resultante mais unificada e, consequentemente, mais efetiva”, acrescenta Rabelo.
Em 2017, a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) estipulou que a utilização de matrizes da Indústria 4.0 poderia gerar uma economia de R$ 73 bilhões ao ano Brasil, sendo R$ 35 bilhões apenas com redução dos custos com reparos. Outra vantagem de aderir às práticas informatizadas é o menor impacto ambiental, uma vez que os processos da manufatura avançada tendem a diminuir as emissões de CO2.
Desafios
A expectativa é que os trabalhos sigam até abril de 2021. Até lá, de acordo com edital do Ministério da Economia, caberá à ENI 4.0 desenvolver metodologias de consulta e compilar os dados resultantes do processo a partir de quatro eixos já determinados pelo Câmara da Indústria 4.0: desenvolvimento tecnológico, inovação e sustentabilidade; capital humano; cadeias produtivas e ecossistemas; e regulação, normalização e infraestrutura. Ao final, espera-se uma espécie de retrato do estágio de desenvolvimento do setor a partir de suas carências e necessidades.
Conforme Rabelo, os estudos não partirão do zero e levarão em conta resultados de pesquisas anteriores já consolidados. Contudo, não significa trabalho fácil. Entre os desafios de delinear a estratégia, além da síntese e da leitura dos materiais já publicados, o grupo terá de ponderar as diferentes concepções dos inúmeros atores envolvidos e compor diretrizes capazes de viabilizar de fato melhorias gerais para as empresas do país.
“A ENI 4.0 não visa produzir mais um documento, um ‘papel’, mas, acima de tudo, atuar como um instrumento concreto, de ações concretas, que ajude as empresas e todo ecossistema de inovação a melhorarem de forma concreta”, ressalta o professor.
O desenrolar dos trabalhos não poderá ignorar o difícil cenário do país em relação às tecnologias industriais. Com mais de 99% das empresas brasileiras em portes micro, pequenos e médios, a ENI 4.O terá que, paralelamente à concepção de uma ampla diretriz técnica, mobilizar um movimento capaz de criar novas rotinas comportamentais no interior das empresas. Sem que a percepção dos atores avance, observa o coordenador, o trabalho não surtirá o efeito esperado.
“É importante que se tenha claro que a mudança do que se chama de Indústria 3.0 para a 4.0 é um processo. Longo, custoso, e realizado gradualmente. Não existe solução mágica e única. A transformação para Indústria 4.0 não é apenas tecnológica. É, acima de tudo, de mindset das pessoas e dos tomadores de decisões. São demasiadas as mudanças a serem feitas. Por isso é importante ir passo a passo, sob pena de se pôr em risco a própria sustentabilidade da empresa durante o processo de mudança”, finaliza Rabelo.
Fonte: Ind 4.0
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